Orodreth: Um deus único?
Fala agora como um desses cristãos protestantes liberais, que ignoram todos os
nossos deuses, digo - de nossos seres superiores, sé que posso chama-los de
deuses, seguindo teu pensamento. Ora Vincus, está quase a me convencer.
Lord Vincus: Cristão? Por acaso não me ouviu dizer que Deus precisa ser perfeito? Por acaso nunca se pôs a ler o livro de Moisés? Aquele que os bajuladores chamam de Gênesis?
Orodreth: Não, nunca o li.
Lord Vincus: Imperdoável seu desinteresse, Orodreth, mas não me interessa. Nesse mesmo livro, o “deus” bíblico, arrepende-se após o dilúvio [Gênesis 6.6]. O que é o arrependimento se não a constatação de um erro, e o desejo de não ter errado? Como algo poderia ser mais imperfeito que isso? E quando este ira-se? Como a onipotência pode ser passiva de ira? Ou de qualquer outro sentimento? O motor primeiro não pode ser passivo a nada. Ele é causa sempre, não sente amor, é causa do amor, não sente fúria, mas é causa desta, não em si mesmo obviamente, pois, como ser perfeito é não passivo.
Orodreth: O “deus” cristão, quando bem pensado sob seu ponto de vista, faz lembrar o Demiurgo.
Lord Vincus: Totalmente plausível, mas isso implicaria retirar dele muito de seus títulos, seria impiedade com o pré-principio chamar o “deus” cristão perfeito e onipotente. [...]
Orodreth: Tu disseste também, que Deus é
eterno, logo sempre existiu e vai existir sempre.
Lord Vincus: Obviamente, nada há mais potente, que possa destruí-lo.
Orodreth: Bem, a cerca do divino, sinto-me satisfeito, mas todo esse diálogo me deixou curioso acerca da morte e da destruição. O demiurgo pode morrer? Quero dizer, ele irá acabar?
Lord Vincus: Evitarei
alongar-me falando da morte, pois sobre esta já discorri bastante em outro escrito.
Orodreth: Sim, no diálogo acerca da morte e o mito do deus polvo.
Lord Vincus: Correto, mas entendo necessário pincelar um pouco acerca da destruição. Nada que existe é destruído, já que a destruição significa transformar-se em nada, num zero absoluto. E como já foi dito, o nada não existe, pois se existisse precisaria existir antes de Deus, e se Deus é eterno o nada não pode existir.
Outro detalhe meu caro: já concordamos que
Deus criou tudo por pensamento, e logo, por pensamento podemos conhecer tudo,
pois só o semelhante reconhece o semelhante. Mas observe que não podemos pensar
o nada, este de fato só existe em nome, pois uma vez que não podemos pensa-lo,
significa que de maneira alguma foi criado, e como nada, esse não poderia vir a
ser alguma coisa, seria eterno, e o único eterno é o motor imóvel...
Orodreth: Ainda não respondeu minha pergunta.
Lord Vincus: Então mantenha os ouvidos atentos e mais abertos que a boca, pois ainda não terminei de falar.
Com efeito, o Demiurgo é imortal, pois nada
que existe pode deixar de existir; não confunda imortal com eterno, ambos são
muito diferentes, tudo que é eterno é também imortal, mas nem tudo que é
imortal é eterno, e eterno só é Deus.
Orodreth: Poderia ser ainda mais claro.
Lord Vincus: Com certeza, observe que eterno é tudo aquilo que é sempre, e o imortal pode ter sido criado, como pelo pensamento, e uma vez feito não é destruído jamais, logo jamais morre.
Orodreth: E o que ocorre, Lord Vincus?
Lord Vincus: Estes são transformados.
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