Parte 3: O Motor e os móveis
Lord Vincus: Ainda há um problema acerca disso, mas que o grande Hermes pôde facilmente resolver.
Orodreth: Qual problema?
Lord Vincus: O problema do movimento. Quando o Todo pensou todos os seres, seguiu uma ordem, imagino, na qual foi necessário que primeiramente engendrasse um ser que devesse ser superior a todos os outros, e este ser superior seria ao mesmo tempo uno e múltiplo.
Orodreth: Não compreendo. Como poderia ser ao mesmo tempo uno e múltiplo?
Lord Vincus: Ora, Orodreth, por acaso não observas nosso universo? Ele não é apenas um? Mas como nele existem enésimos seres individuais, e todos esses seres individuais são emanações daquilo que compõem, são também o universo; logo o universo é uno, pois é um só, e múltiplo pelas inúmeras formas individuais que ele é e que ele contém.
Orodreth: Está claro, mas este ser superior aos seres individuais me parece ter algo de divino, de consciente.
Lord Vincus: Não afirmarei nem que sim, nem que não, mas com certeza eficiente. Vejo que ainda é necessário discorrer sobre a natureza do Todo, para tornar mais claro o pensamento acerca do universo. [...]
Tudo que se move, oh Orodreth, não precisa necessariamente ser movido por alguma coisa?
Orodreth: Necessariamente.
Lord Vincus: E este motor, não precisa ser superior ao móvel?
Orodreth: Precisa, com efeito. Se o móvel não for inferior, não haverá a passividade que permitirá que ele seja movido.
Lord Vincus: Mas se o móvel necessita de algo superior a ele para ser movido, o Todo não pode ser móvel, mas antes um motor imóvel, pois ele gera e move todas as coisas. E não deve mover a si mesmo, pois o movimento deve ser dado por algo superior, e não há nada superior à onipotência; logo seu poder é igual a si mesmo, e não maior. Logo, não deve mover com aquilo que move. [...]
Por isso também gerou por pensamento, dessa forma pôde gerar, sem mover-se. É necessário entender então como se dá o movimento das coisas.
O primeiro ser desse motor primeiro foi o universo, um Nóus demiúrgico, o mais belo e bom dos seres engendrados. Ora Orodreth, o ser que se movimenta, como já foi dito, não pode ser perfeito pois é passivo a um outro ser, e não há nada acima da perfeição.
Este ser que também é um motor, um motor móvel, movimenta em si mesmo toda a energia do pensamento, e cria segundo as formas pensadas pelo motor primeiro, todos os seres, em diferentes graus de mundo.
Orodreth: Para mim ficam claro dois deuses, um deus perfeito e um deus imperfeito, se é que é possível haver um deus imperfeito.
Lord Vincus: Dependeria de como pensamos a divindade. Prefiro usar o conceito deste diálogo, que os deuses menores não são deuses, mas seres intelectuais superiores, pois são movidos pelo motor primeiro - logo imperfeitos. Assim concluo que pelo movimento, existe apenas um Deus, pois não é da natureza da divindade a imperfeição.
(continua...)
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