segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Entrevista com Odir Fontoura - Blogueiro e crítico pagão

O Jornal O Bruxo começa hoje uma série de entrevistas com diferentes representantes do movimento pagão no Brasil e no Mundo. Começamos essa série com o querido Odir Fontoura, 25, autor do blog Diannus do Nemi. A seriedade de seu trabalho e suas críticas ao movimento pagão fizeram dele uma das pessoas mais influentes do meio na web. Residente em Guaíba (RS), ele ainda atua como professor, historiador e com a leitura de Tarô.

Legenda:
- JOB: Jornal O Bruxo
- OF: Odir Fontoura


JOB: Como foi teu começo no Paganismo?

OF: Comecei a estudar o paganismo há cerca de nove anos atrás. Ainda estava no ensino médio e, de bobeira na internet, fui procurar imagens relacionadas a fantasmas, espíritos e assombrações. Sempre gostei de coisas do gênero. Fui testando diferentes palavras-chave na busca de imagens do Google, até que digitei "bruxaria". Não achei nada de assustador e, para minha surpresa, a "bruxaria" que descobri naquele momento nada tinha de macabro. Ao invés de pesquisar imagens, comecei a ler alguns textos, descobri a palavra "Wicca" e minha vida mudou para sempre desde então. Os anos se passaram, terminei a escola, comecei a fazer faculdade de História (estudei sobre as relações do paganismo e do cristianismo na Antiguidade Tardia), já terminei o curso e hoje estou no mestrado e já dou aulas. Dou palestras sobre o assunto, já escrevi um romance histórico tratando do tema, o "Sob o Sol já Deitado" e continuo trabalhando no meu blog, o "Diannus do Nemi - Artes e Paganismo" há cerca de sete anos.

JOB: E como foi começar a atuar no ativismo pagão?

OF: Depende do que você chama de ativismo... Eu prefiro falar em cidadania. Penso que todo pagão deveria repensar e exercitar o conceito de cidadania, principalmente levando em conta o que os povos antigos, como gregos e romanos, viam o assunto. A diferença é que se compararmos o mundo do séc. XXI com a sociedade ateniense, por exemplo, é importante que o conceito de “cidadão” deve ser ampliado a todas as pessoas possíveis, e não apenas a uma pequena elite culta. O meu papel "público" no paganismo é um trabalho intelectual, de reflexão e de debate de ideias. Tão importante quanto o trabalho daquele pagão, por exemplo, que sai nas ruas e levanta a bandeira da liberdade religiosa ou da preservação da natureza. São trabalhos que se complementam e uma coisa não acontece sem a outra. Acho que cada um tem a sua esfera de atuação pública e política e deveria exercitá-la constantemente e da melhor forma possível.

JOB: O seu blog, Diannus do Nemi, tomou uma projeção incrível, tornando-se uma das páginas de referência no meio pagão. Como começou esse trabalho e como foi o ver tomando tal proporção?

OF: O blog começou sem muitas ambições. Era pra ser algo pessoal: eu escrevia poesias e assuntos muito íntimos. Como muitos adolescentes, eu me utilizei da escrita como uma forma de expiação, de fuga, pra traduzir (na medida do possível) aqueles sentimentos que não podiam ser expressos senão pela arte. Mas o tempo passou, as visitas começaram a aumentar, meu perfil de escrita também se transformou e a coisa mudou de forma.
Quando eu passei a escrever só sobre o paganismo e minhas opiniões sobre isso, as visitas começaram a crescer absurdamente. Fiquei assustado, mas também excitado pela forma em que as coisas aconteceram. Até hoje, nada me deixa mais feliz do que receber, gratuitamente, e-mail de algum leitor agradecendo pelo que lê... O que é uma ironia, pois era eu quem deveria agradecer por tamanho carinho e por tantas coisas que aprendo com os comentários, sugestões ou compartilhamentos dos leitores.
Assumo que de uns meses pra cá o blog está meio parado, mas prometo que a situação nos próximos meses vai mudar (risos). Coisas novas vêm por aí.

JOB: Alguns dos textos tratados no seu blog são bem polêmicos e são conhecidos por não medirem palavras ao comentar sobre certos aspectos do cenário pagão. Como são as respostas a esses textos?

OF: Eu confesso que alguns desses textos são propositalmente provocativos. Existem algumas "feridas" do cenário pagão que eu faço questão de mexer: a insistência que muitos pagãos tem em “vilanizar” o cristianismo é uma dessas questões. O discurso das "bruxas ancestrais que foram sumariamente mortas nas fogueiras", por exemplo, além de estar recheado de preconceitos e equívocos históricos, é pobre, simplista e vitimista. O cristianismo prejudicou sim a continuidade das tradições pagãs, mas é uma relação de mão dupla. O que muitos esquecem é que, se não fossem muitos sábios cristãos, tão "malvados", muito da literatura ou da filosofia clássica, por exemplo, que cristianizada, não teria chegado até nós.
Outra questão polêmica é a da bruxaria como algo marginal. Todos sabem que, pra mim, bruxaria nunca foi religião. A bruxaria é um ofício historicamente marginal e periférico a todas as religiões, inclusive as cristãs. Se hoje as pessoas a veem como tal, o que considero legítimo, aí é outra história. O que não podemos é dar continuidade ao discurso Murray de um "culto" bruxo e pagão que sobreviveu desde a pré-história aos dias atuais. Crer nisso, pelo menos pra mim, é ingenuidade.
Mas respondendo a sua pergunta: as respostas a esses textos nem sempre são favoráveis.
O que é bom. O conhecimento é construído através do debate, do diálogo e da discussão (quando respeitosa). Esses debates são construtivos não só pra quem discute, mas pra quem, em silêncio, acompanha de fora e só lê descendo a barra de rolagem - como eu penso ser a maioria do público leitor. Eu gosto de polemizar. "Da água parada espere veneno" já dizia William Blake.

JOB: E como você responde a essas críticas? Seu blog vem abordando bastante as questões políticas, como isso tem repercutido?

OF: A ferramenta do blog não é propícia para debates. Você verá que as postagens geralmente têm poucos comentários, não é algo muito funcional. Mas as páginas de comunidades em redes sociais, como as do facebook sim. Então as pessoas tem o hábito de ler no blog e discutir nas comunidades. É lá que eu respondo. Independente se os leitores concordam ou discordam, é sempre muito positivo pelos motivos que falei acima.
Sobre as questões políticas, volto ao que falei sobre a cidadania. Pensar a política e pensar a sociedade é ser cidadão. E ser pagão é ser cidadão: é uma questão, inclusive, etimológica. É comumente aceito que paganismo vem do "pagus" ou "campo". Mas estudos recentes lançam a possibilidade de que "pagão" não é o que vem do "campo", mas o defensor da "terra", ou seja, "do lugar".
O pagão é quem preza, então, pelas tradições. Se o pagão se importa com o lugar, com a terra, ele se importa com a sua cidade, com seu estado, com seu país, com seu planeta.
Politicamente falando: o paganismo não pode mais esconder-se nos parques públicos, nas praias isoladas, ou nos nossos quartos durante a madrugada. Ele deve estar na urna eletrônica na hora do voto, na ponta da língua na hora de criticar a alienação do povo e em tanto outros momentos públicos, civis, sociais.

JOB: E como você enxerga esse público pagão?

OF: Posso ser honesto? O paganismo aqui no Brasil é constituído predominantemente de gente jovem. Mas muitos são jovens conservadores. Não só politicamente, mas espiritualmente também. Acho que as pessoas tem que ter coragem de colocar à prova suas crenças e seus argumentos. Não é feio se contradizer. Eu mesmo me "desminto" frequentemente, por algo que defendi no passado e já não creio mais. Todos sabem que eu tenho uma visão política de esquerda. Então acho que é possível equilibrar uma visões políticas “tradicionais” (no sentido de preservar o que é importante como, por exemplo, nossos recursos naturais ou os avanços democráticos que lentamente conquistamos) com visões políticas transformadoras (por exemplo: a convicção de que a sociedade deve ser menos desigual e menos repressora).

JOB: Em 2011, você publicou um romance-histórico bastante interessante que retrata a transição entre a sociedade pagã e cristã. Como repercutiu esse trabalho? Planejas publicar um próximo trabalho do gênero?

OF: O romance foi um experimento. Eu escrevi um conto com esse nome que repercutiu muito bem. Muitas pessoas comentaram e algumas ficaram muito emocionadas, o que me deixou muito feliz. Depois da resposta tão positiva do conto, desdobrei a ideia e escrevi o romance. Utilizei o conto, adaptado, como epílogo do livro. Recebi uma resposta bacana, mas hoje faria diferente. Penso que o livro ficou grande demais, e nem todos ainda tem o hábito de ler e-books. Penso em voltar a escrever ficção, mas se de fato fazê-lo, lançarei como livro físico. Essa é uma das ideias que está "germinando" aos poucos (risos). Pelo menos por enquanto eu estou focando mais no meu trabalho “profissional” de historiador.

JOB: Mas falando um pouco mais do movimento pagão, como você vê o cenário pagão do Rio Grande do Sul e do Brasil?

OF: Eu acho promissora. Em especial no Rio Grande do Sul, que é onde moro e tenho a oportunidade de acompanhar de perto. Aqui temos um grupo coeso e organizado, que é o pessoal do outrora chamado Coven Serpente de Fogo, liderado pelo Luís Gustavo Pereira. Os encontros são organizados, ininterruptamente, como já disse, há 10 anos: situação única em todo o Brasil. Eu não sei exatamente, mas parece que hoje esse grupo trabalha junto com o pessoal do Rosa dos Ventos Conclave de Bruxaria. De qualquer forma, o que o paganismo precisa é justamente disso: de pessoas organizadas, lúcidas, que disponham de tempo (e coragem) para organizar encontros, reuniões, rituais e debates com certa periodicidade. O paganismo ainda é muito virtual. E esses encontros pessoais são muito enriquecedores!
Outra lembrança que vale comentar é o pessoal do Og Sperle que organiza as passeatas em prol da liberdade religiosa. Já tive a oportunidade de ver a Mavesper Ceridwen discursando em Brasília sobre questões semelhantes. E tem muita gente boa por aí! Mas precisamos de mais gente.
O que mais vemos por aí são "líderes" ou "sacerdotes" que não fazem muito mais do que polemizar nas redes sociais com seus shows de ego: falam, falam, mas nunca dizem nada. Acho que falta isso: o paganismo precisa ter voz. Menos compartilhamento de fotos de fadinhas e gatinhos falantes com frases bonitinhas. Mais reflexão. Mais opinião. Mais encontros presenciais, mais debates cara-a-cara com leitura e embasamento.
E isso é muito importante: o paganismo precisa deixar pra trás sua face “esquisotérica”. Chega de fantasias, de lantejoulas, de extraterrestres e coisas do gênero. Precisamos sair do "plano das ideias", das viagens do History Channel e colocar em prática o que acreditamos, como seres políticos e sociais (e materiais, terrenos) que somos.

JOB: Então, finalizando a entrevista, qual o seu recado final para nossos leitores?

OF: Fica aqui o meu agradecimento e o meu reconhecimento a você, Douglas, pelo trabalho do Jornal "O Bruxo", desejo sucesso e parabenizo pela iniciativa! Aos leitores da entrevista, espero que tenham conseguido extrair algo de útil dessa conversa. Estou sempre aberto para críticas e sugestões. Vou terminar essa entrevista com a nossa saudação tradicional: Um feliz encontro para um feliz reencontro! Abençoados sejam.


1 comentários:

Gislei disse...

Super curti a entrevista!
gislei.com

 
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