Orodreth: Tu dizes Lord Vincus, que existem bons e maus prazeres, e que os bons levam à felicidade. Isso não ficou tão claro para mim, existe uma atividade específica para levar à felicidade? Ou seja, a felicidade é uma?
Lord Vincus: A Felicidade é semelhante à Verdade, e quase sempre encontrando-se uma chega-se à outra. Ao afirmar semelhança entre os dois afirmo também que assim como a Verdade, a Felicidade é única.
Orodreth: Então só há um meio de se alcançar a Felicidade e a Verdade?
Lord Vincus: Depender-se-ia do que chamas de “meio”, mas vou tentar clarear o que estou dizendo. Dizer que a Verdade é única não é dizer que só há uma forma de ir ao seu encontro. É claro que há melhores métodos de se fazer isso e o mesmo ocorre com a felicidade.
O cientista, o pagão, o cristão, o ateu e quem mais for que busque o Conhecimento, possui chances de aproximar-se da Verdade em seus saberes, pois tudo que se conhece é apenas uma sombra da Verdade, algumas mais iluminadas que outras; mas todas tendem à mesma coisa, coisa essa que é única e imutável.
Todos tendem ao conhecimento, a busca pela Verdade leva à Felicidade, todos trabalham sob a mesma sombra . Quanto mais nos aproximamos disso, mais nos sentimos felizes.
Pois a felicidade consiste em trabalhar naquilo que nos faz bem, seja o que for. Não é algo que se pratica para alcançar, mas algo que se tem enquanto pratica.
Orodreth: Oh, Lord Vincus, abençoado sejas, pois evocastes em mim a memória de um antigo texto, que eu adoraria recitar.
Lord Vincus: Pois então recite.
Orodreth: “Solitária, majestosa, plena em si Mesma, a Deusa, Ela cujo nome não pode ser dito, flutuava no abismo da escuridão, antes do início de todas as coisas. E quando Ela mirou o espelho curvo do espaço negro, Ela viu com a sua luz seu reflexo radiante e apaixonou-se por ele. Ela induziu-o a se expandir devido ao seu poder e fez amor consigo mesma. Ela A chamou de ´´Miria, a Magnífica``.
O Seu êxtase irrompeu na única canção de tudo que é, foi ou será, e com a canção surgiu o movimento, ondas que jorravam para fora e se transformaram em todas as esferas e círculos dos mundos. A Deusa encheu-se de amor que crescia, e deu à luz uma chuva de espíritos luminosos que ocuparam os mundos e tornaram-se todos os seres.
Mas, naquele grande movimento, Miria foi levada embora e enquanto Ela saía da Deusa, tornava-se mais masculina. Primeiro, Ela se tornou o Deus Azul, o bondoso e risonho Deus do amor. Então, transformou-se no Verde, coberto de vinhas, enraizado na terra, o espírito de todas as coisas que crescem. Por fim, tornou-se o Deus da Força, o Caçador, cujo o rosto é o sol vermelho, e no entanto, escuro como a morte. Mas o desejo o devolve à Deusa, de modo que Ele e Ela circulam eternamente buscando retornar em amor.
Tudo começou em amor; tudo busca retornar em amor. O amor é a lei, mestre da sabedoria e o grande revelador dos mistérios.” (2)
Lord Vincus: Grande memória tu tens Orodreth, e como teus olhos brilharam a recitar um texto tão maravilhoso.
Orodreth: Veja como o conhecimento pagão é muito próximo do teu, e embora tu não seja um de nós, concordamos em muitos pontos.
Por exemplo, quando eu trouxe esse belíssimo pensamento cosmológico, ficou claro que embora você nunca o tenha conhecido tal texto, tem um pensamento, em parte na mesma linha.
Ora se todos os seres são filhos do amor e todos tendem a ele, todos evoluem para encontrar o amor e fazerem parte da criação. Mas acabam sucumbindo ao movimento, e pelo “amor comum” buscam este amor perfeito eternamente.
Veja se não é o mesmo que tu dizes, que todos são filhos da Verdade e tendem à Verdade, e através da Felicidade buscam encontrá-la.
Lord Vincus: Não sou um conhecedor do pensamento pagão, caro Orodreth, para fazer tal afirmação. Mas posso dizer que é bem próximo.
Orodreth: Tu dizes também que cada um deve buscar a felicidade de forma egoísta, o que queres dizer com isso?
Lord Vincus: Que nenhum homem pode garantir a felicidade de outro... o caminho é solitário, muitos são prepotentes em quererem forçar outros à suas crenças e prazeres, julgando que aquilo que praticam e acreditam e que traz felicidade para si, trará também a felicidade de todos. Todos são uma só alma, mas inúmeras mentes e diversas experiências, cada uma com sua própria necessidade de conhecimento.
O lutador que pratica sua arte marcial e deleita-se enquanto luta, é feliz e tende ao conhecimento supremo, mesmo sem ler quaisquer textos sobre tal assunto, do mesmo modo que alguém que cozinha, ao praticar culinária e ter grande prazer enquanto pratica, adquire também o conhecimento do Supremo, mesmo que não se dê conta disso. Cada um à sua maneira busca a mesma coisa.
Entretanto, mesmo os homens não podendo garantir a felicidade de seus irmãos, oferecem infelicidade a estes, pois o homem por natureza é mau...
Orodreth: Mas tu dissestes várias vezes, Lord Vincus, que todo homem tende ao Bem.
Lord Vincus: Sim, e não volto atrás, pois se os homens tendem ao Bem, é por que estes não o possuem. Se possuíssem não o procurariam.
Orodreth: De fato, meu amigo.
Lord Vincus: Mas continuando, apesar do homem ser capaz de desviar seu próximo do seu labor natural, este não tem tal poder sobre os mais fortes, aqueles que dominam a própria mente; esses são livres de espírito e não podem ser manchados pelos espíritos mais jovens.
Eis que a felicidade é uma das chaves do poder. Muitos magistas são extremamente poderosos quando usam seus sentimentos em suas magias, e este segredo o paganismo sempre possuiu. Mas afirmo que não há mago mais perigoso do que aquele possuído por eudaemonia. Este tem o espírito alto, livre, capaz de grandes coisas, pois são grandes trabalhadores do natural ofício, estão prestes a avançar a um próximo nível, o de tornarem-se deuses perante os homens.
Orodreth: E o que é esta eudaemonia que tu citas?
Lord Vincus: É a própria Felicidade.
(Fim)
Notas: (2): Dança Cósmica Das Feiticeiras – Starhawk
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-Este texto contou com a contribuição de Breno Loeser, Wiccano, que de bom grado se dispôs a ajudar este pobre espírito a evitar ao máximo o desvio do pensamento pagão por parte de “Orodreth”. A este, meus agradecimentos –
Vinicius Pimentel Ferreira
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