sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O Bosque: Tabu


A geis irlandesa, pl. geasa, que pode ser traduzida por tabu, tinha dois sentidos. Ela significava algo que não deveria ser feito por medo de consequências desastrosas, e também uma obrigação de fazer algo comandado por outra pessoa.

Como um tabu a geis tinha grande espaço na vida irlandesa, e era provavelmente conhecida por outros ramos dos celtas. 1 Ela seguida o curso geral do tabu por onde foi encontrada. Algumas vezes era imposta antes do nascimento, ou era hereditária, ou conectada com o totemismo. As lendas, entretanto, frequentemente levantaram uma explicação diferente para as geasa, muito tempo após os costumes dos quais elas se originaram terem sido esquecidos. Era uma das geasa de Diarmaid não caçar o javali de Ben Gulban, e isto provavelmente era inicialmente totêmico. Mas a lenda contava como seu pai matara uma criança, o cadáver sendo transformado em um javali pelo pai da criança, que disse que seu tempo de vida seria o mesmo que o dele, e que ele seria morto por ele. Oengus põe geasa em Diarmaid para que não o caçasse, mas ao desejo de Fionn ele as quebrou, e foi morto. 2 Outras geasa—aquelas de Cúchulainn não poder comer carne de cachorro, e de Conaire nunca poder caçar pássaros –também apontam para o totemismo.

Em alguns casos as geasa eram baseadas em ideias de certo e errado, honra ou desonra, ou tinham por intenção evitar dias desafortunados. Outras são incompreensíveis para nós. O maior número de geasa interessava a reis e chefes, e eram descritas, juntamente com seus privilégios correspondentes, no Livro dos Direitos. Algumas das geasa do rei de Connaught eram não ir a uma assembléia de mulheres em Leaghair, não sentar no monte sepulcral da esposa de Maine no outono, não ir à charneca de Cruachan em um traje salpicado de cinza sobre um cavalo salpicado de cinza, e outras coisas do tipo. 1 O significado disso é obscuro, mas outros exemplos são mais óbvios e mostram que todas correspondiam igualmente aos tabus aplicáveis aos reis nas sociedades primitivas, que quase sempre eram magos, sacerdotes, ou mesmo representantes divinos. Deles dependem o bem estar da tribo e a criação da chuva ou da luz do sol, e os processos de crescimento. Desta forma eles devem ser cuidadosos com suas ações, e dessa forma são cercados de tabus que, embora sem sentido, têm uma conexão direta com seus poderes. De tais concepções surgiram as geasa da realeza irlandesa. A observância delas fez a terra fértil, produziu abundância e prosperidade, e manteve ambos rei e sua terra longe do infortúnio. Em tempos passados isso supostamente dependia da “benevolência” ou do reverso do rei, mas isso foi um desvio da ideia antiga, a qual está claramente especificada no Livro dos Direitos. 2 Os rei eram divindades de quem a fecundidade e a abundância dependiam, e que deviam portanto obedecer suas geasa. Algumas de suas prerrogativas também parecem estar conectadas com esse estado de coisas. Assim, eles devem comer certas comidas ou ir a certos lugares em dias particulares. 3 Nas sociedades primitivas os reis e sacerdotes frequemente proibiam os mortais comuns de comerem as coisas as quais eles desejavam para si mesmos, fazendo delas um tabu, e em outros casos os frutos da terra podiam ser consumidos apenas após o rei ou o sacerdote terem tomado parte deles cerimonialmente. Este pode ter sido o caso na Irlanda. O privilégio relativo aos lugares pode ter significado que eles eram sagrados e apenas podiam ser adentrados pelo rei em certas épocas e em sua capacidade sagrada.

Como um reflexo desse estado de coisas, os herois das sagas, Cúchulainn e Fionn, tinham numerosas geasa aplicadas a eles mesmos, algumas delas religiosas, algumas mágicas, outras baseadas nas ideias primitivas de honra, outras talvez inventadas pelos narradores. 1

Geasa, quer seja no senso de tabu ou de obrigação, podiam ser impostas por qualquer um, e deviam ser obedecidas, pois a desobediência produzia efeitos desastrosos. Provavelmente a obrigação estava enquadrada como um encantamento ou feitiço, e o poder do feitiço sendo plenamente acreditado, a obediência seguiria como uma questão de curso. 2 Exemplos de tais geasa são numerosas na literatura irlandesa. O padrasto de Cúchulainn põe sobre ele geasa de que ele não conheceria descanso até encontrar a causa do exílio dos filhos de Doel. E Grainne coloca geasa sobre Diarmaid para que ele fugisse com ela, e isto ele fez, apesar do ato ter sido repugnante para ele.

Entre os selvagens a punição que supõe seguir a quebra do tabu é muitas vezes produzida através de auto sugestão, quando um tabu foi inconscientemente infringido e isso é descoberto depois. O medo produz o resultado o qual é temido. Acredita-se, entretanto, que o resultado é trabalho da vingança divina. No caso das geasa irlandesas, destruição e morte normalmente seguiam sua infração, como no caso de Diarmaid e Cúchulainn. Porém o melhor exemplo é encontrado no conto da Destruição do Hotel de Da Derga, no qual o povo-síd vinga-se pela ação de Eochaid causando a destruição de seu descendente Conaire, que é forçado a quebrar suas geasa. Elas são minuciosamente detalhadas; então é mostrado como, quase que a despeito de si próprio, Conaire foi levado a quebrá-las, e como, na sequência, sua trágica morte aconteceu. 1 Vista sob essa ótica, como trabalho da vingança divina para um remoto descendente do ofensor ao forçá-lo a quebrar seus tabus, a história é uma das mais terríveis de toda a literatura irlandesa.

Notas de rodapé

252:1 As interdições religiosas citadas por Cæsar (vi. 13) podem ser consideradas como tabus, enquanto que os espólios de guerra colocados em lugar consagrado (vi. 18), e certos animais entre os bretões (v. 12), estavam claramente sob tabu.
252:2 Joyce, OCR 332 f.
253:1 Book of Rights, ed. O'Donovan, 5.
253:2 Book of Rights, 7.
253:3 Ibid. 3 f.
254:1 LL 107; O'Grady, ii. 175.
254:2 Nos contos das Highland geasa é traduzida como "feitiços".
255:1 RC xxii. 27 f. A história do Hotel de Choca tem por assunto a destruição de Cormac através da quebra de suas geasa (RC xxi. 149 f.).

Trecho extraído de:
MacCulloch, J.A. - The Religion of the Ancient Celts, Capítulo XVII – Tabu
Pgs. 252-255

Tradução: Renata Gueiros

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