A
geis irlandesa, pl. geasa, que pode ser traduzida por tabu, tinha dois sentidos.
Ela significava algo que não deveria ser feito por medo de consequências
desastrosas, e também uma obrigação de fazer algo comandado por outra pessoa.
Como
um tabu a geis tinha grande espaço na vida irlandesa, e era provavelmente
conhecida por outros ramos dos celtas. 1 Ela seguida o curso geral do tabu por onde
foi encontrada. Algumas vezes era imposta antes do nascimento, ou era hereditária,
ou conectada com o totemismo. As lendas, entretanto, frequentemente levantaram
uma explicação diferente para as geasa, muito tempo após os costumes dos quais
elas se originaram terem sido esquecidos. Era uma das geasa de Diarmaid não
caçar o javali de Ben Gulban, e isto provavelmente era inicialmente totêmico. Mas
a lenda contava como seu pai matara uma criança, o cadáver sendo transformado
em um javali pelo pai da criança, que disse que seu tempo de vida seria o mesmo
que o dele, e que ele seria morto por ele. Oengus põe geasa em Diarmaid para
que não o caçasse, mas ao desejo de Fionn ele as quebrou, e foi morto. 2 Outras
geasa—aquelas de Cúchulainn não poder comer carne de cachorro, e de Conaire nunca
poder caçar pássaros –também apontam para o totemismo.
Em
alguns casos as geasa eram baseadas em ideias de certo e errado, honra ou
desonra, ou tinham por intenção evitar dias desafortunados. Outras são
incompreensíveis para nós. O maior número de geasa interessava a reis e chefes,
e eram descritas, juntamente com seus privilégios correspondentes, no Livro dos
Direitos. Algumas das geasa do rei de Connaught eram não ir a uma assembléia de
mulheres em Leaghair, não sentar no monte sepulcral da esposa de Maine no
outono, não ir à charneca de Cruachan em um traje salpicado de cinza sobre um
cavalo salpicado de cinza, e outras coisas do tipo. 1 O significado disso é obscuro,
mas outros exemplos são mais óbvios e mostram que todas correspondiam
igualmente aos tabus aplicáveis aos reis nas sociedades primitivas, que quase
sempre eram magos, sacerdotes, ou mesmo representantes divinos. Deles dependem
o bem estar da tribo e a criação da chuva ou da luz do sol, e os processos de
crescimento. Desta forma eles devem ser cuidadosos com suas ações, e dessa
forma são cercados de tabus que, embora sem sentido, têm uma conexão direta com
seus poderes. De tais concepções surgiram as geasa da realeza
irlandesa. A observância
delas fez a terra fértil, produziu abundância e prosperidade, e manteve ambos
rei e sua terra longe do infortúnio. Em tempos passados isso supostamente
dependia da “benevolência” ou do reverso do rei, mas isso foi um desvio da
ideia antiga, a qual está claramente especificada no Livro dos Direitos. 2 Os
rei eram divindades de quem a fecundidade e a abundância dependiam, e que
deviam portanto obedecer suas geasa. Algumas de suas prerrogativas também
parecem estar conectadas com esse estado de coisas. Assim, eles devem comer
certas comidas ou ir a certos lugares em dias particulares. 3 Nas sociedades
primitivas os reis e sacerdotes frequemente proibiam os mortais comuns de
comerem as coisas as quais eles desejavam para si mesmos, fazendo delas um tabu,
e em outros casos os frutos da terra podiam ser consumidos apenas após o rei ou
o sacerdote terem tomado parte deles cerimonialmente. Este pode
ter sido o caso na Irlanda. O
privilégio relativo aos lugares pode ter significado que eles eram sagrados e
apenas podiam ser adentrados pelo rei em certas épocas e em sua capacidade
sagrada.
Como
um reflexo desse estado de coisas, os herois das sagas, Cúchulainn e Fionn, tinham
numerosas geasa aplicadas a eles mesmos, algumas delas religiosas, algumas mágicas,
outras baseadas nas ideias primitivas de honra, outras talvez inventadas pelos
narradores. 1
Geasa,
quer seja no senso de tabu ou de obrigação, podiam ser impostas por qualquer um,
e deviam ser obedecidas, pois a desobediência produzia efeitos desastrosos. Provavelmente
a obrigação estava enquadrada como um encantamento ou feitiço, e o poder do
feitiço sendo plenamente acreditado, a obediência seguiria como uma questão de
curso. 2 Exemplos de tais geasa são numerosas na literatura
irlandesa. O
padrasto de Cúchulainn põe sobre ele geasa de que ele não conheceria descanso
até encontrar a causa do exílio dos filhos de Doel. E Grainne coloca geasa sobre
Diarmaid para que ele fugisse com ela, e isto ele fez, apesar do ato ter sido
repugnante para ele.
Entre
os selvagens a punição que supõe seguir a quebra do tabu é muitas vezes
produzida através de auto sugestão, quando um tabu foi inconscientemente
infringido e isso é descoberto depois. O medo produz o resultado o qual é
temido. Acredita-se, entretanto, que o resultado é trabalho da vingança divina.
No caso das geasa irlandesas, destruição e morte normalmente seguiam sua infração,
como no caso de Diarmaid e Cúchulainn. Porém o melhor exemplo é encontrado no
conto da Destruição do Hotel de Da Derga, no qual o povo-síd vinga-se pela ação
de Eochaid causando a destruição de seu descendente Conaire, que é forçado a
quebrar suas geasa. Elas são minuciosamente detalhadas; então é mostrado como,
quase que a despeito de si próprio, Conaire foi levado a quebrá-las, e como, na
sequência, sua trágica morte aconteceu. 1 Vista sob essa ótica, como trabalho da
vingança divina para um remoto descendente do ofensor ao forçá-lo a quebrar
seus tabus, a história é uma das mais terríveis de toda a literatura irlandesa.
Notas
de rodapé
252:1
As interdições religiosas citadas por Cæsar (vi. 13) podem ser consideradas
como tabus, enquanto que os espólios de guerra colocados em lugar consagrado
(vi. 18), e certos animais entre os bretões (v. 12), estavam claramente sob tabu.
252:2 Joyce, OCR 332 f.
253:1 Book of Rights, ed. O'Donovan, 5.
253:2 Book of Rights, 7.
253:3 Ibid. 3 f.
254:1
LL 107; O'Grady, ii. 175.
254:2
Nos contos das Highland geasa é traduzida como "feitiços".
255:1
RC xxii. 27 f. A história do Hotel de Choca tem por assunto a destruição de Cormac
através da quebra de suas geasa (RC xxi. 149 f.).
Trecho
extraído de:
MacCulloch, J.A. - The Religion of the Ancient Celts, Capítulo
XVII – Tabu
Pgs. 252-255
Pgs. 252-255
Tradução: Renata Gueiros
0 comentários:
Postar um comentário