quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Universo Simbólico: A Noite Escura da Alma - Parte 2


Olá pessoal, na semana passada tínhamos algumas questionamentos: Cristianismo com Noite Escura? Fé? Peregrinação? Estas nos movimentaram a prosseguir com o diálogo e adentrar um pouco mais neste tema que é além de interessante, deveras extenso.  (Se você não viu o outro post anterior corre lá e vê a Parte 1). 

Dentro do Paganismo podemos obter várias possibilidades a respeito do tema, mas comecei a analisar que mesmo historicamente o Cristianismo vindo posteriormente fundamentou-se muito bem nesta crença de peregrinação da Alma e com suas próprias nomenclaturas fez com que esta crença se espalhasse e ganhasse força em nome da evolução do espírito. Sendo assim observemos este outro lado da moeda e continuemos...

Na tradição judaica, a noite apresenta ora um aspecto negativo, ora um aspecto positivo. No Gênesis, ela denomina as trevas, sendo inferior à luz: 

"E viu Deus que a luz era boa, e fez separação entre a luz e as trevas. Chamou Deus à Luz Dia e às trevas, Noite (1.4-5)" . 

Em outras passagens, porém, a Bíblia ressalta o aspecto positivo da noite. Por exemplo, em Jó 35.10, lê-se que:


"Deus inspira canções de louvor durante a noite". 

A noite é, portanto, o momento da inspiração divina. E em Salmos 19.2, a noite relaciona-se com a sabedoria: " Uma noite - diz o salmista - revela conhecimento a outra noite". Não por outra razão a coruja, pássaro notívago, representa, de longa data, a filosofia, simbolizando o saber e a clarividência. Na arte poética, a noite é geralmente evocada como o período propício ao romance, pois à noite, cessadas as atividades laborativas do dia, o ser humano pode ir livremente em busca do outro. Neste caso, a noite exerce fascínio: "Tudo tem suave encanto quando a noite vem", diz uma canção popular. Na esfera psíquica, a noite significa a face oculta da consciência, o inconsciente, que, durante o sono, geralmente à noite, vem à tela mental através de símbolos que expressam não só os desejos, mas também a sabedoria, a criatividade e as mais belas intuições.

A Figura de São João da Cruz sendo o pioneiro dos Peregrinos da Alma, logo foi tido como exemplo e seguido por outros que se tornaram conhecidos como: Madre Teresa, Santa Tereza de Avila dentre outros que se dispuseram a enfrentar/reconhecer suas sombras para alcançar a tão sonhada Luz, porém cada um deles para desempenhar tal papel, tiveram que elevar sua consciência para o Divino e acreditar no que estava por vir como uma bonança. Entramos na questão polêmica da Fé, uma auxiliar secundária, (a primeira seria o auto-conhecimento da duvida em questão) que nos firma na confiança em nossos Mestres, (físicos ou não) em nosso caminho, em nós mesmos e principalmente em nossas praticas que nos levam a elevação. 

São João da Cruz, o Místico, escreveu um poema que explica todos os estágio implícitos e os vários sentidos figurados da noite: o mitológico (geratriz da luz), o sapiencial ( momento da sabedoria e da inspiração divina), o poético (instante doce  do amor) e o psicológico (centro de consciência transcendente). Gostaria de deixar este poema para uma análise e fundamentar cada vez mais este conceito que além de complexo, muito nos identifica, apesar de ser através de outra doutrina, porém ao meu ver, São João da Cruz tinha uma visão holística mesmo pertencendo a massa Cristã do Sec. XVI.
NOITE ESCURA


Canções de S. João da Cruz (1542-1591) que descrevem o modo pelo qual o místico chega ao estado de perfeição espiritual.

(1578)

1. Em uma noite escura,

De amor em vivas ânsias inflamada,     (1)
Oh, ditosa ventura!
Saí sem ser notada, (2)
Já minha casa estando sossegada. (3)

2. Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,  (4)
Oh, ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.

3, Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa,
Sem outra luz nem guia    (5)
Além da que no coração me ardia.

4. Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia,
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia, (6)
Em sítio onde ninguém aparecia. (7)

5. Oh, noite que me guiaste!
Oh, noite mais amável que a alvorada!
Oh, noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada! (8)

6. Em meu peito florido
Que, inteiro para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

7. Da ameia a brisa amena, (9)
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.

8. Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado; (10)
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.(11)


(1) Trata-se de alma adiantada na espiritualidade, pois está incendiada do amor a Deus.

(2) Isto é, saiu de si, sem ser impedida pelos sentidos inferiores que compõem o ego.

(3) Casa sossegada: vida interior com pleno domínio das pulsões inferiores e das paixões menores.

(4) A escada mística da ascese rumo à Divindade. A escada joanina desdobra-se em 10 degraus.

(5) A luz da fé e do amor.

(6) Em sendo evoluída, a alma já conhecia a Divindade.

(7) O centro da alma, o espírito que é também sua parte mais alta.

(8) Pela união com a Luz a alma se transforma na Luz.

(9) Ameia: cada um dos arremates salientes, separados por intervalos regulares, construídos na parte mais alta do castelos, das torres e das muralhas que protegiam as cidades antigas. Vê-se que a alma subiu a escada para encontrar a Divindade.Brisa amena é sopro, símbolo do influxo espiritual de origem celeste. Mensageiro divino, o vento afasta as trevas. Na tradição bíblica, o "sopro de Deus" animou o primeiro homem. No poema, o sopro de Deus faz surgir o ser iluminado ( o novo homem que retornou à origem divina).

(10) Esquecida de si, quer dizer, com a atenção concentrada só no Amado.

(11) Sua inquietação desapareceu.


Podemos perceber o quanto a Noite Escura é uma benção disfarçada e embora os indivíduos possam, por um momento parecer declinar em suas práticas de virtude, na realidade, eles se tornam mais virtuosos, uma vez que se desprendem de seus egos durante o processo. Compreender que tudo tem um propósito já é um fator decisivo para transpassar essa ponte de cordas. Que a Confiança, a Fé, o Acreditar, o auto-conhecimento e a Divindade sempre estejam com os que realmente buscam pela Luz.


A Todos,
Pax,Lux et Nox

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