quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Caminhando entre as Deusas: Respondendo a contestações sobre o texto de Inana

Olá caros leitores, quem escreve é autora dessa coluna, Rosario Câmara.
Hoje teremos uma coluna um pouco diferente.

Semana passada contei para vocês o que eu conhecia e havia pesquisado sobre a Deusa Inana, no entanto, uma leitora da coluna fez algumas contestações sobre alguns fatos narrados. E como conhecimento nunca é demais, trarei para vocês hoje as contestações e algumas reflexões sobre as diferenças dos fatos.

Inicialmente, gostaria de propor um novo olhar sobre a forma como se lê a mitologia e a história. Na verdade, é mais um lembrete. A história é sempre reescrita. A verdade nunca é igual de uma para outra pessoa. As verdades mudam de acordo com o olhar e as experiências de quem o examina, porém a realidade não muda, porém nem sempre pode se ter um noção de como tenha sido essa realidade. Então, ao meu ver não existe aqui certo ou errado, mas simplesmente, versões de várias pessoas para uma mesma história.

Então, vamos lá? Prontos para essa jornada? 

OBS.: Aos leitores desavisados, a coluna ficou um pouco grande (enorme na verdade!) mas ler até o fim vai trazer mais informação!

Nossa leitora comentou o seguinte:

“o pai de Inanna se chama Nanna, o senhor da lua, o grande magnífico do céu noturno. ela é rainha do céu e da Terra exatamente por isso, ela nasceu da realeza, ela HERDOU esse poder do pai (supremo nos céus) e da mãe NINGAL (senhora dos cereais, suprema na terra)”

Inanna ou Inana são duas formas de grafar o nome dessa Deusa, vocês irão encontrar assim na vasta literatura existente. Na coluna, eu conto que Inana ganhou os poderes do céu em uma batalha de xadrez disputada com seu pai. Pois bem, eu realmente me expressei um pouco mal e aproveito aqui o espaço para corrigir o mal entendido, o que Inana ganhou de seu pai foram os Tesouros da Cultura de Enki... 
Oooppss!!!
Esperem!!!
Enki não é pai de Inana!

Depende da sua referência bibliográfica! Em alguns autores (Marashinsky, 2000; Monaghan, 2009) Enki, Deus da Sabedoria é o pai de Inana. Ela engana-o a fim de adquirir os Tesouros da Cultura para que ela pudesse dar aos humanos. Já outros autores como Pietro (2003) e alguns sites da internet, assim como as fontes consultadas por nossa leitora dizem que o pai de Inana é Nanna.

Logo depois, ela nos diz: “Ela não pediu tesouros, ele ofereceu os ME (instrução/dons) e quando ele se deu conta ela estava a caminho e Eresh, sua cidade. vale salientar que: NÃO EXISTIA XADREZ NA SUMÉRIA.”

Quanto à questão de como Inana adquiriu os Tesouros da Cultura (Também chamados de ME), nossa leitora disse que Nanna ofereceu-os a Inana. Pois bem, até concordo que tenha sido oferecido, mas nas histórias que li, em todas elas, Inana enganou Enki para obter esses tesouros (Barbas, s/d; Marashinsky, 2000; Monaghan, 2009). Algumas vezes ela o embebedou, em outras ela o embebedou e disputou os Tesouros em uma partida de xadrez. Quanto ao xadrez existir ou não naquela época (como salientou nossa leitora), lembro que não se sabe ao certo a origem do xadrez. Os historiadores acreditam que o documento mais antigo é uma pintura numa câmara mortuária de Mera, em Sakarah (Egito), que data de aproximadamente 3000 mil anos AEC (Antes da Era Comum), mostra duas pessoas jogando o xadrez, claro que o jogo evoluiu e se modificou, tornando-se o xadrez que conhecemos hoje me dia, mas isso não quer dizer que ele não existia naquela época.

Um outro ponto levantado por nossa leitora foi: “Inanna não foi ao inferno. ela foi no submundo, lar de Ershkigal (e não, não me venham dizer que é a mesma coisa, por que não é) o lugar que ela visita , se chama kur-nu-gir (terra do não-retorno)”.

Enfim, inferno X submundo é um ponto que sempre gera várias discordâncias e falarei sobre ele em outro post por ser algo extremamente complexo, combinado? No entanto, acrescento que encontrei também referências literárias utilizando os dois termos.

Os amores de Inana foram outro ponto levantado: “Enkidu NUNCA cortejou Inanna. Ele era um selvagem, servo de gilgamesh. Nem esse e nem os demais fatos relacionados ao cortejo foram contados corretamente”.

Bem, o que posso dizer é que o nome Enkidu ser o nome de um servo de Gilgamesh (outro mito sumeriano) não quer dizer que ele seja o único Enkidu da história da Suméria, não é verdade? O texto referente ao cortejo de Enkidu e Dumuzi foi retirado do livro “O caminho da Deusa” de Monaghan (2009) e os relatos sobre a escolha de Dumuzi para substitui-la no reino de Erishkigal podem ser encontrados em praticamente todos os textos referentes aos mitos de Inana. No mais, não sei dizer quais os outros fatos que não foram contados corretamente, como eles não foram aqui especificados eu também não posso comentar as fontes literárias.

Outra questão levantada foi: “o nome do ministro de Inanna é Ninshubur. não se sabe é macho ou fêmea. provavelmente é um eunuco. Aliás, Inanna só pede ajuda a 3 Deuses. Já sabendo que sua última opção seria Enki - o senhor do reino das águas doces, e da SABEDORIA”.  

No texto de Monaghan (2009) a grafia apresentada foi Nishuba, assim como também encontrei no texto da biblioteca de Alexandria a grafia Ninshubur, como sugeriu nossa leitora. Quanto ao gênero, em nenhum dos textos encontrei referências, seja ao masculino ou ao feminino, pois, como frisou nossa leitora, não se sabe. Ela inclusive acredita que seja um eunuco. As referências que encontrei foram mais restritas ao cargo, ou seja, primeiro ministro e por isso mantive o masculino do cargo no texto que escrevi.

Outro ponto interessante foi o fato: “Ereshkigal não é irmã gêmea de Inanna, alias ela uma das mais antigas Deusas do panteão. O irmão gêmeo de Inanna é Shamash”

Pois bem, Pietro (2003), Marashinsky (2000), O Grupo Rodas da Lua (2005), Monaghan (2009), os textos da biblioteca de Alexandria e tantos outros tratam Erishkigal como irmã, as vezes mais velha, as vezes gêmea de Inana. Para mim, quando os autores referem-se a irmã gêmea, eles tentam falar sobre a face oculta da Deusa Inana, seu lado negro e a sua reconciliação com esse lado. E assim aproximar o mito a nossas próprias experiências de encontrar as nossas próprias sombras, como diria o Jung.

Assim como: “Ereshkiugal matou inanna com o olhar e o grito de morte. Ela não foi açoitada, foi apenas empalada”.

É como eu já disse, os mitos crescem, são enfeitados, outrora são encurtados, então:

 “Peça por peça, Inana foi entregando as suas joias e trajes até que se postou esplêndida e nua diante de Ereshkigel, a Deusa da Morte de cabelos negros que voltou os olhos de pedra para a Deusa do mundo superior [] Neste momento, Inana perdeu toda a vida e ficou suspensa durante três dias e três noites, um cadáver no reino da morte.”
 (Monaghan, 2009, p. 155).

“Lá foi desnudada e assassinada, e deixaram-na pendurada num gancho por três dias e três noites” 
(Marashinsky, 2000, p.102)

“Ao se colocar diante da irmã sombria, Inanna foi assassinada com um grito aturdido, e Ereshkigal pendurou o corpo inerte em uma estaca”. 
(Pietro, 2003, p. 159 e 161)

“Ela foi submetida à tortura e por fim espetada em uma estaca, onde seu cadáver desfez-se.” 
(Ions, 1999, p. 119).

E para finalizar, o último ponto levantado, os seres criados por Enki, Kugarra e Kulatur: “kugarrra e kulatur não levatram qualquer alimento. era o alimento e a agua da vida, especialmente feitos para este fim. vale salientar aqui também que ambos foram instruídos a se compadecerem em dor por ereshkigal, já sabendo o que isso geraria nela, e mesmo assim ELA NÃO DEU O CORPO DE INANNA DE BOM GRADO”

Portanto, meus caros leitores, isso também está certo! Ora, pois sim! Em algumas versões, Kugarra e Kulatur foram instruídos por Enki, em outras esse fato não é sequer mencionado; em algumas versões, Ereshkigal é quem dá o corpo de Inana ao próprio Enki; Kugarra e Kulatur nem existem (Grupo Rodas da Lua, 2005); em outros textos, Ereshkigal é quem dá o alimento e a água da vida a Inana para que Kugarra e Kulatur possam subir com ela.

Enfim, existem tantas versões quanto pessoas criativas há no mundo! No entanto, posso dizer que dar o corpo de Inana de “bom grado” foi bondade minha. É que eu adoro a Ereshkigal!
Pessoal, desculpas também por vez ou outra esquecer as benditas referências bibliográficas. Mas hoje estão todas aí, pra quem quiser saber mais:

As referências de nossa leitora:
“sobre isso minhas fontes são antologia de poemas - hellena barbas, The sumerians - leonard wooley, Harps that once - Thorkild Jacobsen, trasures of the darkness - Thorkild jacobsen, Mesopotamian Religion - Jean Bottéro e Sumerian Mithology - Samuel Noah Kramer”

E as minhas ...  Primeiro os sites consultados:

Livros consultados:
- DONATELLI, M. (coord.); O livro das Deusas – Grupo Rodas da Lua.  São Paulo: Publifolha, 2005,  p. 34;
- IONS, V.; História ilustrada da Mitologia.  1° Ed., São Paulo: Editora Manole Ltda, 1999, p. 119;
- MARASHINSKY, A. S.; O oráculo da Deusa: um novo método de adivinhação. São Paulo: Pensamento, 2007, p. 101 a 103
- MONAGHAN, P. ; O caminho da Deusa: mitos, invocações e rituais. São Paulo: Pensamento, 2009, p. 152 a 161.
- PRIETO, C.; Todas as Deusas do mundo: rituais wiccanos para celebrar a Deusa em suas diferentes faces.  2° Ed., São Paulo: Gaia, 2003, p. 159 a 164 (Coleção Gaia Alémdalenda)

Ps.: Beijocas estaladas no coração de todos!

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