sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A Pesadeira e os Mitos do Sono.

Não é de hoje que sabemos que a maioria dos mitos, lendas e crendices de vários povos tem origem em fatos desconhecidos. Ainda no período da Idade da Pedra, sabemos que as divindades que vieram a surgir foram originadas a partir dos fenômenos naturais, pouco a pouco compreendidos pelos humanos. Da mesma forma ocorreu com algumas doenças e distúrbios psicológicos. A própria esquizofrenia foi considerada, por alguns povos, como possessão; por outros como uma graça divina. Isso, claro, dependia da condição do esquizofrênico e como o distúrbio se manifestava.

Meses atrás, eu pude ir a uma exposição sobre o Rio São Francisco. A exposição era extremamente bela, muito emocionante e educativa. Passando por todas as salas você via aspectos do rio e das culturas que se apoiam nele, o que acabava lhe dando um choque de pureza e romantismo muito forte. A última sala era o local reservado aos mitos em torno do São Francisco, um deles me chamou bastante atenção por eu já ter sido atacado por mais de uma vez: Pisadeira (Pesadeira).

"Esta é uma muié muito magra, que tem os dedos cumprido e seco cum cada unhão! Tem as perna curta, cabelo desgadeiado, quexo revirado pra riba e nari magro munto arcado; sombranceia cerrada e zóio aceso... Quando a gente caba de ciá e vai durmi logo, deitado de costa, ele desce do teiado e senta no peito da gente, arcano... arcano... a boca do estámo... Purisso nunca se deve dexá as criança durmi de costa."
(Cornélio Pires. Conversas ao pé do fogo)

A Pesadeira é descrita normalmente com este estereótipo: mulher muito magra – às vezes dita como uma negra gorda, extremamente pesada – com dedos longos e secos, unhas sujas e amareladas, que mais parecem garras; Pernas curtas, cabelos bagunçados, olhos malignos de tom vermelho incandescente, o nariz é pontudo, magro e arcado, queixo pra cima e dentes à mostra. Vive pelos telhados, aguardando ansiosa por aqueles que ao dormir ficam deitados de barriga para cima. Quando sua vítima, satisfeita, entra em sono profundo, ela desce do telhado e senta sobre o peito da pessoa e nele fica pisando com força freneticamente. A vítima tem consciência de tudo o que lhe acontece, pois fica num estado letárgico, onde não está dormindo, nem acordada. Enclausurada, a vítima não se mexe, não grita, nem acorda deste terrível ataque.
Em certa região do São Francisco, a Pesadeira possui na cabeça um gorro vermelho, e os mais velhos relatam o caso de um homem pobre que, quando atacado pela Pesadeira, conseguiu sair do estado de prisão e lentamente retirar o capuz dela. Foi quando instantaneamente ela ficou leve como uma pluma, toda a feição assustadora foi substituída por uma feição mais humilde, que pediu encarecidamente que o homem devolvesse a sua touca. O homem, esperto, pediu que ela lhe fizesse vários favores. A mulher, dotada de poderes sobrenaturais, fez tudo o que podia, deixando o homem extremamente rico e bem de vida para que pudesse ter seu precioso bem de volta. Este trecho do mito tem origem portuguesa, no fradinho-de-mão-furada, uma espécie de duende traquino que trazia benefícios para aqueles com quem simpatizava.

Como citei acima, muitos mitos têm origem em distúrbios mentais, psicológicos e doenças até então não explicadas. O caso da Pesadeira, assim como de outros seres que logo mais eu listo, é um deles.
A Paralisia do Sono ou a “Catalepsia projetiva” é um fenômeno natural e benigno ao ser humano. Trata-se da rigidez que faz com que o corpo permaneça parado durante o sono, cessando-se naturalmente momentos antes do indivíduo acordar. Porém há casos em que o indivíduo desperta antes da paralisia ser cessada, o que trás a terrível sensação de não conseguir se mexer, falar, nem nada. Como ocorre no ataque da Pesadeira.
Neste momento em que a consciência está desperta, enquanto há a paralisia é comum que haja várias alucinações (afinal a mente ainda está “dormindo”). Isto ocorre porque no processo de “despertar-se” passa por estágios hipnopômpico e hipnagógico (de alfa para beta e beta para alfa, respectivamente). Onde saímos do alerta pra um sono profundo, ou do sono profundo para o estado de alerta da consciência. Há quem consiga nas alucinações ver tudo o que acontece ao seu redor, ou ver criaturas e objetos em cima do seu corpo, ver o local no qual se dorme de uma perspectiva diferente dentre várias outras coisas. Há até quem aproveite este estado incomum do sono para ter sonhos lúcidos ou, as aceitas por nós místicos, viagens astrais.
Só tomem cuidado pra não encontrarem uma Pesadeira ou outros seres que intermediam esta condição estranha de sono. Pois, sim, há outros seres em quase todas as culturas do mundo que desempenham o mesmo papel que a nossa velhinha do rio.

        Na cultura Hmong, paralisia do sono descreve uma experiência chamada "dab tsog" ou "demônio apertador", da frase composta "dab" (demônio) e "tsog" (apertar, esmagar). Frequentemente, a vítima afirma enxergar uma figura pequena, não maior que uma criança, sentando em sua cabeça ou peito.
         Na cultura vietnamita, a paralisia do sono é conhecida como "ma de", que significa "segurado por um fantasma". Muitas pessoas nesta cultura acreditam que fantasmas entram no corpo das pessoas causando a paralisia.
         Na China, paralisia do sono é conhecida como "压身" (pinyin: guǐ yā shēn) ou "压床" (pinyin: guǐ yā chuáng), o que pode ser traduzido literalmente como "corpo pressionado por um fantasma" ou "cama pressionada por um fantasma".
         Na cultura japonesa, a paralisia do sono é conhecida como kanashibari (金縛り, que significa literalmente "atado ao metal".
         Na cultura popular húngara a paralisia do sono é chamada "lidércnyomás" ("lidérc pressionante") e pode ser atribuída a um número de entidades sobrenaturais como "lidérc" (aparições), "boszorkány" (bruxas), "tündér" (fadas) ou "ördögszerető".


Outro cuidado importante é não confundir a Catalepsia projetiva com a Catalepsia patológica. A segunda se trata de uma doença rara em que o indivíduo parece de fato ter vindo a óbito. É de origem nervosa que faz com que os músculos fiquem num estado de plasticidade motora tal qual um boneco de cera. Várias pessoas foram dadas como mortas e despertaram do estado durante seu velório, ou foram enterradas vivas por conta de um diagnóstico precipitado.
O mais grave nesta situação é que durante todo o tempo em que o doente se encontra no estado de catalepsia, ele está consciente de tudo o que ocorre ao seu redor, não podendo apenas reagir fisicamente, pois não se encontra na posse das suas funções vitais.
Confiram no vídeo:


Fontes consultadas:

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