Não é de
hoje que sabemos que a maioria dos mitos, lendas e crendices de vários povos
tem origem em fatos desconhecidos. Ainda no período da Idade da Pedra, sabemos
que as divindades que vieram a surgir foram originadas a partir dos fenômenos naturais, pouco a pouco compreendidos pelos humanos. Da mesma forma ocorreu com algumas
doenças e distúrbios psicológicos. A própria esquizofrenia foi considerada, por
alguns povos, como possessão; por outros como uma graça divina. Isso, claro, dependia da condição do esquizofrênico e como o distúrbio se manifestava.
Meses atrás,
eu pude ir a uma exposição sobre o Rio São Francisco. A exposição
era extremamente bela, muito emocionante e educativa. Passando por todas as
salas você via aspectos do rio e das culturas que se apoiam nele, o que acabava lhe
dando um choque de pureza e romantismo muito forte. A última sala era o local reservado aos mitos em torno do São Francisco, um deles me chamou
bastante atenção por eu já ter sido atacado por mais de uma vez:
Pisadeira (Pesadeira).
"Esta é uma
muié muito magra, que tem os dedos cumprido e seco cum cada unhão! Tem as perna
curta, cabelo desgadeiado, quexo revirado pra riba e nari magro munto arcado;
sombranceia cerrada e zóio aceso... Quando a gente caba de ciá e vai durmi
logo, deitado de costa, ele desce do teiado e senta no peito da gente,
arcano... arcano... a boca do estámo... Purisso nunca se deve dexá as criança
durmi de costa."
(Cornélio Pires. Conversas ao pé do fogo)
(Cornélio Pires. Conversas ao pé do fogo)
A Pesadeira
é descrita normalmente com este estereótipo: mulher muito magra – às vezes dita
como uma negra gorda, extremamente pesada – com dedos longos e secos, unhas
sujas e amareladas, que mais parecem garras; Pernas curtas, cabelos bagunçados,
olhos malignos de tom vermelho incandescente, o nariz é pontudo, magro e arcado,
queixo pra cima e dentes à mostra. Vive pelos telhados, aguardando ansiosa por
aqueles que ao dormir ficam deitados de barriga para cima. Quando sua vítima,
satisfeita, entra em sono profundo, ela desce do telhado e senta sobre o peito
da pessoa e nele fica pisando com força freneticamente. A vítima tem consciência
de tudo o que lhe acontece, pois fica num estado letárgico, onde não está dormindo,
nem acordada. Enclausurada, a vítima não se mexe, não grita, nem acorda deste
terrível ataque.
Em certa
região do São Francisco, a Pesadeira possui na cabeça um gorro vermelho, e os
mais velhos relatam o caso de um homem pobre que, quando atacado pela Pesadeira, conseguiu sair do estado de prisão e lentamente retirar o capuz dela. Foi
quando instantaneamente ela ficou leve como uma pluma, toda a feição
assustadora foi substituída por uma feição mais humilde, que pediu
encarecidamente que o homem devolvesse a sua touca. O homem, esperto, pediu que
ela lhe fizesse vários favores. A mulher, dotada de poderes sobrenaturais, fez
tudo o que podia, deixando o homem extremamente rico e bem de vida para que
pudesse ter seu precioso bem de volta. Este trecho do mito tem origem
portuguesa, no fradinho-de-mão-furada, uma espécie de duende traquino que trazia benefícios para aqueles com quem
simpatizava.
Como citei
acima, muitos mitos têm origem em distúrbios mentais, psicológicos e doenças até
então não explicadas. O caso da Pesadeira, assim como de outros seres que logo
mais eu listo, é um deles.
A Paralisia do Sono ou a “Catalepsia
projetiva” é um fenômeno natural
e benigno ao ser humano. Trata-se da rigidez que faz com que o corpo permaneça
parado durante o sono, cessando-se naturalmente momentos antes do indivíduo
acordar. Porém há casos em que o indivíduo desperta antes da
paralisia ser cessada, o que trás a terrível sensação de não conseguir se
mexer, falar, nem nada. Como ocorre no ataque da Pesadeira.
Neste momento em que a consciência está desperta, enquanto há a paralisia é comum que haja várias alucinações (afinal a mente ainda está “dormindo”). Isto ocorre
porque no processo de “despertar-se” passa por estágios hipnopômpico e hipnagógico (de alfa para beta e beta para alfa, respectivamente).
Onde saímos do alerta pra um sono profundo, ou do sono profundo para o estado
de alerta da consciência. Há quem consiga nas alucinações ver tudo o que
acontece ao seu redor, ou ver criaturas e objetos em cima do seu corpo, ver o
local no qual se dorme de uma perspectiva diferente dentre várias outras
coisas. Há até quem aproveite este estado incomum do sono para ter sonhos lúcidos ou, as aceitas por nós
místicos, viagens astrais.
Só tomem cuidado
pra não encontrarem uma Pesadeira ou outros seres que intermediam esta condição
estranha de sono. Pois, sim, há outros seres em quase todas as culturas do mundo que desempenham o mesmo papel que a nossa
velhinha do rio.
Na
cultura Hmong,
paralisia do sono descreve uma experiência chamada "dab tsog" ou "demônio apertador", da frase composta
"dab" (demônio) e "tsog" (apertar, esmagar).
Frequentemente, a vítima afirma enxergar uma figura pequena, não maior que uma
criança, sentando em sua cabeça ou peito.
Na cultura vietnamita, a paralisia do sono é conhecida como "ma de", que significa "segurado por um fantasma". Muitas pessoas nesta cultura acreditam que fantasmas entram no corpo das pessoas causando a paralisia.
Na cultura vietnamita, a paralisia do sono é conhecida como "ma de", que significa "segurado por um fantasma". Muitas pessoas nesta cultura acreditam que fantasmas entram no corpo das pessoas causando a paralisia.
Na China, paralisia do sono é conhecida como
"鬼压身" (pinyin:
guǐ yā shēn) ou "鬼压床" (pinyin: guǐ yā chuáng),
o que pode ser traduzido literalmente como "corpo pressionado por um
fantasma" ou "cama pressionada por um fantasma".
Na
cultura japonesa, a paralisia do sono é conhecida como kanashibari (金縛り,
que significa literalmente "atado ao metal".
Na
cultura popular húngara a paralisia do sono é chamada "lidércnyomás" ("lidérc
pressionante") e pode ser atribuída a um número de entidades sobrenaturais
como "lidérc" (aparições), "boszorkány" (bruxas),
"tündér" (fadas) ou "ördögszerető".
Outro
cuidado importante é não confundir a Catalepsia
projetiva com a Catalepsia patológica. A
segunda se trata de uma doença rara em que o indivíduo parece de fato ter vindo
a óbito. É de origem nervosa que faz com que os
músculos fiquem num estado de plasticidade motora tal qual um boneco de cera. Várias
pessoas foram dadas como mortas e despertaram do estado durante seu velório, ou
foram enterradas vivas por conta de um diagnóstico precipitado.
O mais
grave nesta situação é que durante todo o tempo em que o doente se encontra no
estado de catalepsia, ele está consciente de tudo o que ocorre ao seu redor,
não podendo apenas reagir fisicamente, pois não se encontra na posse das suas
funções vitais.
Confiram no
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