quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Religiões Indígenas: Tupi-Guarani (Parte 1)

Mais uma série de postagens para vocês leitores, dessa vez abordando uma cultura extremamente brasileira. Esse trabalho de pesquisa foi desenvolvido pelo professor da UCG e da UnB, Roque de Barros Laraia, e foi publicado na Revista USP em novembro de 2005. Espero que gostem dessa nova série. 

No levantamento das religiões existentes no mundo não é comum a inclusão das religiões das sociedades indígenas, apesar de Emile Durkheim considerar a importância das mesmas: “[…] não são menos respeitáveis do que as outras. Elas respondem às mesmas necessidades, desempenham o mesmo papel, dependem das mesmas causas; portanto podem perfeitamente servir para manifestar a natureza da vida religiosa”.
Judaísmo, cristianismo, islamismo, budismo e hinduísmo  são exemplos de grandes  religiões, que  possuem muitos  adeptos,  porque  passaram  por  um  longo  processo  de  globalização. Existem, porém, numerosas outras religiões que ficaram à margem desse processo. É o caso das religiões das chamadas  sociedades  indígenas. No Brasil são muito numerosas e pouco estudadas.

Quando Durkheim procurou descrever as formas elementares da vida religiosa das “sociedades primitivas”, encontrou o  seu modelo nas  religiões  totêmicas do  continente australiano. No Brasil, a equivalência encontra-se  nas  religiões  xamanísticas. Segundo Mircea Eliade  (1994),  desde  o princípio  do  século XX,  “os  etnólogos adotaram o costume de empregar indistintamente os termos xamã, homem-médico, feiticeiro  ou mago,  para  designar  determinados  indivíduos  dotados  de  prestígio mágico-religioso e reconhecidos em todas as ‘sociedades primitivas’’’. 

A palavra xamã é originária de um povo siberiano,  os  tungus. Eliade  restringiu  o uso do termo aos especialistas do religioso que acreditam, através do estado de transe, entrar em contato com seres sobrenaturais, sejam eles as almas dos seus antepassados ou  diferentes  tipos  de  espíritos. Este  é  o caso da maioria dos líderes espirituais indígenas. A palavra tupi-guarani que, entre nós, designa o xamã é pai’é, grafada em português como pajé.

Embora exista uma surpreendente uniformidade nos procedimentos dos xamãs, ocorre  uma  grande diversidade  de  explicações  para  o  surgimento  dos mesmos. Em  alguns  casos,  a  explicação  é  a hereditariedade,  ou  seja,  somente  podem  ser xamãs os descendentes de um outro. No caso tupi-guarani, o fator hereditário não é necessário. Acredita-se que se trata de um dom que deve ser descoberto e desenvolvido através do aprendizado. 

Entre os assurinis, do Rio Tocantins, constatamos a existência de um ritual denominado opetimo (literalmente: comer fumo) que tem como objetivo identificar, entre os jovens, aqueles que têm o potencial de se transformar em um pai’é. Entre cantos e danças, os candidatos fumam um grande charuto de tabaco, engolindo a fumaça. Os que se sentem mal, ou seja, têm ânsia de vômitos, são descartados. Os que desmaiam  são  os  escolhidos.  “Omano”, grita o pai’é oficiante do ritual, ou seja: “ele morreu”. É “morrendo” que se faz a viagem para o outro mundo, o que torna possível o contato com os antepassados.

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