quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Sacrificando Direitos em Nome do Progresso: povos indígenas ameaçados nas Américas

 

Pouco antes deste Dia Internacional dos Povos Indígenas (09/08/11), criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1994, a organização Anistia Internacional divulgou um relatório alarmante sobre a situação dos povos indígenas no continente americano. Intitulado Sacrificando Direitos em Nome do Progresso: povos indígenas ameaçados nas Américas, o documento cita o emblemático caso brasileiro de Belo Monte, no rio Xingu, e o dos Guaranis em Mato Grosso do Sul. Especialistas revelam que também as condições de vida dos índios no sul do país são preocupantes. Leia aqui a íntegra do documento (em inglês).
 
O relatório apresentado na primeira semana de agosto apela para que os líderes dos países americanos tomem medidas urgentes e decisivas para proteger os direitos indígenas. Além do Brasil - que abriga mais de 700 mil índios, de mais de 200 etnias e com 180 idiomas -, a organização enfoca Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru e Estados Unidos.

A Anistia destaca uma "dicotomia tão falsa quanto perigosa, que vê os direitos dos índios como contrários ao progresso". Frequentemente são aprovadas leis e são executados empreendimentos econômicos sem consulta prévia aos índios, acusa o documento.

No Brasil, as terras indígenas (TIs) representam 13,1% do território do país e 98,6% delas estão na Amazônia Legal - que compreende Acre, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. O 1,4% das TIs restantes espalha-se pelas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, além do Mato Grosso do Sul, no Centro-Oeste.


VIOLÊNCIA EM DISPUTAS PELA TERRA

Os indígenas no Mato Grosso do Sul estão envolvidos em constantes conflitos com os agricultores locais. A Anistia Internacional acompanha de perto o caso dos Guarani-Kaiowá, sobre a qual publicou um relatório específico em fevereiro de 2011. Após sofrer com violência, assassinatos e discriminação e esperar pela demarcação de suas terras durante décadas, a comunidade - formada por cerca de 30 mil índios - começou a reivindicar seus direitos.

Os pequenos grupos indígenas se deparam com o forte lobby agrícola, especialmente devido ao boom do etanol. "Por isso há muitos conflitos e violência entre indígenas e pistoleiros contratados por proprietários de terras", relata Patrick Wilcken, pesquisador da equipe da Anistia Internacional que se ocupa do Brasil.

Dos cerca de 50 mil indígenas que vivem no Mato Grosso do Sul, os Guarani-Kaiowá são a etnia mais numerosa. Suas áreas, localizadas no sul do estado, são extensas, planas e férteis. Somente a TI localizada em Dourados, por exemplo, tem mais de 11 mil hectares, o que não significa que os índios realmente ocupem esta área.

Fany Ricardo - coordenadora do programa Povos Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA) - considera a situação no Mato Grosso do Sul uma das mais críticas do país. "Lá é guerra total contra a demarcação de terras. Muitas vezes a terra indígena já está registrada, mas não há ou quase não há indígenas dentro porque os fazendeiros entram na justiça e conseguem se manter no local com liminares", afirma.

Para Wilcken, as áreas reivindicadas pelos Guarani-Kaiowá seriam suficientes para contemplar tanto a atividade agrícola quanto os direitos territoriais dos povos indígenas.

Apesar das iniciativas de promotores federais para acelerar o reconhecimento dos direitos dos índios, o processo continua paralisado. Segundo o pesquisador da Anistia, a demarcação de terras é impedida por bloqueios judiciais e pela influência dos produtores.


INTENSA OCUPAÇÃO

Desde que a questão indígena passou a ser um tema de relevância no âmbito da sociedade civil brasileira, no final da década de 1970, 400 terras indígenas já concluíram o processo demarcatório, segundo dados do ISA. A maioria delas fica no norte do país.

Enquanto 291 TIs da Amazônia Legal já estão homologadas e registradas, a situação nos estados da região Sul - Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná - e ainda de São Paulo e do Rio de Janeiro é diferente. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), das 186 terras indígenas dessa área, 29% não iniciaram ainda qualquer estudo de identificação - a primeira das sete etapas do processo demarcatório.

O contraste entre norte e sul pode ser explicado pelo fato de a colonização do Brasil ter sido iniciada pelo litoral, o que levou a embates diretos com os indígenas que ali viviam, aponta o ISA. Segundo o Instituto, aos índios restaram terras diminutas, conquistadas a duras penas. Além disso, o sul ainda hoje é mais desenvolvido e povoado que a Amazônia - região ainda em processo de ocupação. "Quanto mais ocupada a área, mas difícil é o reconhecimento da área indígena", afirma Fany Ricardo.

Segundo Clovis Brighenti, antropólogo e membro do Cimi, apesar de o Sul ser a região com o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, os indígenas que ali vivem enfrentam uma situação precária. Ele explica que isso se deve à falta de terras e ao violento processo que os índios enfrentaram no passado, ao serem confinados pelo Estado brasileiro e controlados em suas reservas. Eles perderam as terras e, hoje, os poucos hectares que recebem de volta não bastam para garantir sua sobrevivência.


PEQUENAS, MAS CONFLITUOSAS

Além de poucas, as terras indígenas do Sul são pequenas. Mas o potencial de conflito é grande, por conta da intensa ocupação da região. É o caso da Aldeia Jaraguá, do povo Guarani Mbya, em São Paulo, cuja extensão de apenas 2 hectares, apesar de demarcada, impossibilita que os indígenas extraiam seu sustento da terra.

Já os Guarani Mbya e Ñandeva, de Morro dos Cavalos, Santa Catarina, por exemplo, esperam há 18 anos pela demarcação dos seus quase 2 mil hectares de terras. "É muito urgente, [...] a gente precisa de mais lugar para morar, está muito complicado", disse o cacique Teófilo Gonçalves a Rafaela Mattevi, autora do ensaio jornalístico Nhandereko Tenonde Rã (O futuro da nossa cultura). Sem a compreensão da sociedade, os índios enfrentam a especulação fundiária, a falta de espaço e a miséria dela proveniente, enumera Mattevi.

A terra indígena de Guarani Araça'í, de 2,7 mil hectares, também em Santa Catarina, é palco de conflitos entre pequenos proprietários rurais e os índios Guarani Ñandeva, que, confinados em áreas do povo Kaingang, reivindicam o direito de retornar à sua terra. Desde 2007, sua área encontra-se declarada pelo Ministério da Justiça, o quarto dos sete estágios da demarcação.

Wilcken, da Anistia Internacional, considera "chocante o fato de, no Brasil, um país relativamente rico", tantos grupos ainda viverem em condições de miséria e discriminação. "Houve muitos avanços desde a Constituição de 1988, com sua forte legislação em defesa dos direitos dos povos indígenas, mas ainda há muitos problemas em termos de direitos sobre a terra", conclui.

[FONTE: Deutsche Welle
; Autora: Luisa Frey; Revisão: Roselaine Wandscheer]

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