segunda-feira, 15 de julho de 2013

Anotações para um dia de chuva

Estou cada dia mais convencido que ser adepto de uma religião pagã implica em uma reeducação do olhar. É preciso admitir que não somos pessoas compartimentadas, capazes de assumir uma posição social e esquecer as demais possibilidades de ser ou papéis disponíveis em detrimento de um único. Somos cidadãos, pai, mãe, filho, profissional, bruxos, reconstrucionistas, pessoas: tudo junto e ao mesmo tempo. Nessa perspectiva, viver numa cidade, em um centro urbano, para o paganismo, implica uma reeducação do olhar, a construção de um novo instrumento de aprendizagem: a sensibilidade. É essa sensibilidade que torna possível aprender e ensinar, compartilhar, aprender com os outros, e não apenas para os outros. 

Tomo essas palavras iniciais porque é a partir da cidade, dos seus pequenos detalhes, cheiros e contornos que gostaria de descrever as impressões e memórias - que agora contabilizo em retrospectiva - do segundo Encontro Pernambucano de Neopaganismo, realizado entre 12 e 14 de julho de 2013, em Olinda.

Olinda é uma cidade decisivamente encantadora. Suas ladeiras, doloridas e sinuosas, poderiam servir de inspiração aos pincéis de qualquer um que tenta emprestar à inspiração o desejo pelo belo. Mais que isso, Olinda serviu de cenário para os momentos de silêncio e canto, troca e doação, amizade e companheirismo que podem traduzir, sem perigo de equívoco, o que aconteceu nestes três intensos dias de encontro.

Tentemos então recompor o cenário e seus elementos: adicione às ladeiras de Olinda, todas as cores que a imaginação colonial pôde emprestar à arquitetura da cidade: vermelhos, amarelos, azuis, verdes, brancos, multicores. Misture tudo em matizes frias e aconchegantes: luz baixa, clima de casa de avó. Junte seus melhores amigos, pessoas às quais você tem saudade e vontade de [re]ver. Som de chuva ao fundo, e um sol preguiçoso. Aqueça em círculo, acompanhado de uma bela chama de fogo e cânticos. Pronto.

Em tantos anos acompanhando os encontros regionais e outros eventos paralelos na Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará tenho aprendido que é um erro lexical chamar os eventos em si de "encontro". Por certo a palavra reencontro caberia e significaria muito bem a singularidade desses momentos. Como descreveu o amigo Dênis Machado, colunista deste jornal, antes mesmo de pensar nas discussões, nos debates, nas atividades, a principal expectativa dos encontros é a reunião, a perspectiva da troca de abraços, sorrisos, momentos de união, "reencontro".

É esse clima de fraternidade e amizade que sublima qualquer imprevisto, o peso dos atrasos e das ausências e das partidas. Termino esta crônica com a frustração do tradutor que admite a fragilidade e as limitações que pesam sobre si ao tentar transformar o maravilhoso das experiências em palavras. Assim, que fique as imagens e o sentimento de lamento por parte dos que não puderam fazer parte destes dias, e a recomendação de que possam participar de tudo isso nos próximos momentos.

Eirene Theoi.

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